Análise de Risco Global de Incêndio
Este método foi proposto pelo Professor Dr. Antônio Maria Claret Gouveia com o objetivo de analisar o risco de incêndio em edificações antigas e/ou históricas brasileiras, focado no balanceamento entre os parâmetros de risco e as medidas de segurança presentes na edificação. O Método de Análise de Risco Global de Incêndio é resultado de uma pesquisa realizada com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e publicada, em 2006, na Coleção Cadernos Técnicos, que visa divulgar trabalhos relevantes na área de preservação e recuperação patrimonial.
O Método de Análise de Risco Global leva em consideração que não há meios para interferir estruturalmente em edificações antigas para aumentar a segurança contra incêndio ou instalar sistemas de prevenção contra incêndio. Por este motivo, a análise de risco de incêndio nestas edificações visa definir os parâmetros de intervenção pública ou privada que possam alterar favoravelmente uma situação que seja considerada de risco inaceitável.
No entanto, pela importância patrimonial agregada à tais edificações, as intervenções não podem ser decididas apenas pelos profissionais de segurança contra incêndio, mas requerem um consenso entre estes profissionais e os especialistas na área de patrimônio histórico.
A explicação quanto ao método e sua aplicação são baseadas no Caderno Técnico 5, do Projeto Monumenta, do IPHAN (Gouveia, 2006).
Este site oferece uma tabela com as informações organizadas de forma a facilitar a aplicação do Método de Análise de Risco Global. Acesse Tabela 15: Cálculo do Método de Análise de Risco Global.
Quanto à aplicação do Método de Análise de Risco Global de Incêndio
Para realizar a aplicação do método é preciso cumprir seis etapas de avaliação: o levantamento de dados, a determinação da exposição ao risco de incêndio, a determinação da segurança, a determinação dos riscos de ativação, o cálculo do risco global de incêndio e a análise de segurança.
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1) Levantamento de dados
O levantamento de dados consiste em uma organização de todas as informações relevantes para a aplicação do método. Como as edificações analisadas são antigas e/ou históricas, nem sempre existe um projeto de arquitetura ou de incêndio que possa ser consultado, o que torna ainda mais importante a coleta de dados in loco.
A vistoria in loco deve focar tanto nas características listadas na análise de risco como também no seu estado de conservação e manutenção. O autor ainda destaca que é preciso dar especial atenção às edificações vizinhas, buscando verificar se há ou não a caracterização de um conjunto arquitetônico com risco de generalização do incêndio entre as edificações.
a) Resistência ao fogo das paredes de alvenaria: Trata do isolamento do incêndio dentro do compartimento, considerando o tempo de resistência ao fogo das paredes e considerando que os efeitos do incêndio não se propagam além do limite do compartimento durante o tempo previsto da resistência. Em edificações antigas é difícil garantir o isolamento pois não são construções feitas com este objetivo e, geralmente, possuem pisos, forros e portas de madeira que prejudicam o confinamento do incêndio. Os valores de TRRF são atribuídos conforme disposto na Tabela 1: Resistência ao fogo das paredes de alvenaria.
b) Classificação das edificações: Trata de classificar as edificações quanto à propagação do incêndio. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 2: Classificação quanto à propagação. É importante ressaltar que, nos sítios históricos, os afastamentos entre as edificações, quando existem, não são regulares e a propagação do incêndio entre fachadas, coberturas ou entre edificações geminadas é bastante provável. Sendo assim, uma edificação pode formar um conjunto com outras edificações vizinhas, cujos efeitos de um incêndio iniciado em uma delas pode interferir em todas as demais. Assim como as edificações podem ser classificadas com C, H ou V, o mesmo ocorre com os conjuntos de edificações, de acordo com as seguintes condições:
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- um conjunto é do tipo C quando todas as edificações componentes são do tipo C;
- um conjunto é do tipo H quando pelo menos uma das edificações componentes é do tipo H e nenhuma é do tipo V; e
- um conjunto é do tipo V quando pelo menos uma das edificações componentes é do tipo V.
c) Áreas externas não protegidas: Este fator trata do isolamento do cômodo incendiado com relação aos demais cômodos ou da edificação com relação às edificações vizinhas. O método leva em conta que aberturas como portas e janelas comprometem o isolamento, uma vez que não possuem o mesmo TRRF da parede em si. Sendo assim, é preciso calcular a porcentagem da parede que corresponde a estas aberturas. A Tabela 3: Porcentagem admissível de áreas não protegidas traz os parâmetros mínimos que devem ser obedecidos para que o cômodo ou a edificação sejam considerados isolados. Caso a porcentagem total de área não protegida seja superior à permitida pela Tabela 3, o cômodo ou a edificação deve ser considerada como não isolada.
2) Exposição ao risco de incêndio (E)
Esta grandeza indica a possibilidade da ocorrência de um incêndio, quantificando o perigo real deste evento ocorrer no cômodo ou edificação. O potencial de incêndio, ou seja, a possibilidade deste incêndio acontecer, leva em conta seis subfatores:
a) Fator f1 → densidade da carga incêndio (Qm): Trata da medida de quantidade de energia que pode ser abruptamente liberada durante um incêndio e está diretamente relacionada à extensão dos danos que podem ser causados. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 4: densidade de carga incêndio.
b) Fator f2 → altura do compartimento (H) e (S): Trata da dificuldade de abordar o incêndio através dos meios de acesso da edificação. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 5: altura do compartimento. Deve ser utilizado o maior valor atribuído entre os correspondentes ao subsolo e aos andares superiores.
c) Fator f3 → distância do corpo de bombeiros (D): Trata do tempo resposta da unidade do corpo de bombeiros mais próxima. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 6: distância do corpo de bombeiros.
d) Fator f4 → Condições de acesso à edificação: Trata das condições de acesso nas fachadas da edificação. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 7: Condições de acesso.
e) Fator f5 → Perigo de generalização: Trata do risco de generalização do incêndio entre as edificações considerando as características de isolamento de risco das paredes externas, fachadas, empenas [1] e coberturas. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 8: Perigo de generalização.
- Fator f6 → Importância específica da edificação: Trata de uma medida de elevação da exposição de risco ao incêndio, que reflete a importância e o valor que se atribui a esta edificação em particular. O objetivo deste fator é elevar o risco para aumentar o coeficiente de segurança mínimo e, consequentemente, as medidas de segurança contra incêndio. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 9: Importância específica da edificação.
O coeficiente de exposição ao risco de incêndio (E) é calculado pela multiplicação de todos os fatores correspondentes.
$$E=f_1\times\ f_2\times\ f_3\times\ f_4\times\ f_5\times\ f_6$$
O coeficiente de exposição ao risco de incêndio deve ser calculado para cada cômodo da edificação. O maior valor encontrado, ou seja, o coeficiente correspondente ao cômodo de maior risco, deve ser utilizado para o cálculo final do risco global de incêndio.
3) Medidas e fatores de segurança
São as medidas e os fatores existentes na edificação que minimizam o risco de incêndio. Para edificações históricas o foco é a segurança patrimonial, considerando o valor atribuído ao imóvel e aos bens contidos nele. A segurança das pessoas visa o escape seguro, mas a proteção e preservação dos bens tem peso consideravelmente maior se comparado com outros métodos de análise de risco de incêndio. As medidas de segurança são divididas em cinco classes: sinalizadoras do incêndio, extintivas, de infraestrutura, estruturais e políticas. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 10: Medidas de segurança e só devem ser considerados se os respectivos sistemas estiverem corretamente dimensionados e manutenidos.
a) Medidas sinalizadoras de incêndio: Tratam do modo de detectar o início do incêndio e comunicá-lo aos usuários da edificação e autoridades públicas. Correspondem aos fatores s1 a s3.
b) Medidas extintivas: Tratam das medidas automáticas ou manuais disponíveis para extinguir o princípio de incêndio, minimizando os prejuízos decorrentes do calor excessivo ou da fumaça. Para as edificações históricas há, ainda, que se observar o tipo de agente extintor que causará menor prejuízo ao patrimônio em caso de incêndio. Nem sempre a água é o mais recomendado. Correspondem aos fatores s4 a s8b.
c) Medidas de infraestrutura: Tratam das medidas de infraestrutura, dentro e fora da edificação, para auxiliar o combate a incêndio e garantir o fornecimento de água para o sistema de hidrante e o reabastecimento das viaturas do corpo de bombeiros. Correspondem aos fatores s9 a s11.
d) Medidas estruturais: Tratam das características da edificação em si que podem influenciar na propagação do incêndio. O foco está nos elementos construtivos que têm como função principal o suporte das cargas oriundas do peso próprio e da ocupação da edificação. Correspondem aos fatores s12 a s15.
e) Medidas políticas: Tratam das iniciativas tomadas para organizar as ações de combate e prevenção a serem adotadas na edificação. Correspondem aos fatores s16 a s19.
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- Planta de risco: é um mapa da malha urbana onde são indicados os níveis de risco global de incêndio por área. Geralmente é utilizado um código de cores para simbolizar as zonas de intensidade dos riscos. O objetivo é informar aos projetistas e bombeiros sobre os riscos de cada região.
- Plano de intervenção: é um planejamento das ações de combate a incêndio elaborado com base nos cenários mais prováveis para cada edificação específica. Deve ser elaborado pela equipe de intervenção (corpo de bombeiros) considerando os aspectos construtivos, de acesso e demais características importantes na abordagem de combate a incêndio.
- Plano de escape: é um planejamento de fuga da edificação, para garantir a segurança dos usuários. Inclui o estudo das rotas de fuga e as ações para auxiliar usuários com dificuldade de locomoção.[2]
- Sinalização das saídas de emergência e rota de fuga.
O método prevê dois princípios de projeto de segurança que devem ser considerados ao analisar este fator:
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- O Princípio da Não Exclusão prevê que “o emprego de medidas de segurança de determinada classe não exclui o emprego obrigatório de, pelo menos, uma medida de cada uma das classes” (Gouveia, 2006, pág. 55). Isto significa que o projetista pode fazer as suas escolhas referentes às medidas de segurança, mas precisa ter, ao menos, uma medida de cada classe para cumprir os requisitos mínimos que atendam ao método. Este princípio evita que se dê importância apenas algumas das classes e que outras fiquem sem requisitos mínimos de segurança.
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- O Princípio da Exceção Segura prevê que “o profissional de projeto, para atender os objetivos de segurança, deve majorar os fatores de risco que, justificadamente, lhe pareçam subestimados” (Gouveia, 2006, pág. 55). Isto significa que o projetista pode e deve majorar os fatores ou medidas que julgar não serem corretamente previstos ou dimensionados pelo método, de forma a garantir a segurança dos usuários e da própria edificação.
O cálculo do coeficiente de medidas e fatores de segurança (S) é calculado pela multiplicação de todos os fatores correspondentes.
$$S=s_1\times\ s_2\times\ldots\times\ s_n$$
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4) Determinação do Risco de Ativação de Incêndios
São os fatores que podem contribuir para o início ou ativação do incêndio. Existem três classes de risco de ativação: os riscos decorrentes diretamente da atividade humana, os riscos decorrentes das instalações e os riscos devidos a fenômenos naturais. Todas estas classes focam em dois aspectos do tetraedro do fogo: a energia de ativação e a carga combustível, cuja inflamabilidade pode ser suficientemente baixa para ativar um incêndio, mesmo no decorrer do uso adequado da edificação. O método considera que os riscos de ativação de incêndio não vão se concretizar de forma cadenciada e, por isso, se excluem mutuamente. Sendo assim, deve-se adotar o maior valor dentre os encontrados na análise destes fatores.
a) Riscos decorrentes da atividade humana: trata do risco devido ao uso da edificação.
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- Risco de ativação devido à natureza da ocupação (A1): trata dos riscos normais existentes devido ao tipo de ocupação da edificação. Os valores são atribuídos conforme previsto na Tabela 11: Riscos decorrentes da atividade humana, que traz os valores do fator de risco estabelecidos pelo autor do método e uma exemplificação referente aos riscos classificados pelo Regulamento de Segurança Contra Incêndio das Edificações do Estado de São Paulo (São Paulo, 2001), adotado pelo próprio autor como referência para determinar este fator.
- Risco devido a falha humana (A2): trata das falhas humanas involuntárias. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 12: Risco de ativação devido a falha humana. O treinamento a que se refere este risco diz respeito ao uso correto dos equipamentos elétricos e o manuseio adequado das fontes de calor.
- Riscos decorrentes das instalações (A3): trata da qualidade das instalações elétricas e de gás da edificação, pois estas oferecem riscos extra de ignição (centelhas oriundas de curto circuito) e inflamabilidade (mistura do gás com o ar em caso de vazamento). Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 13: Qualidade das instalações elétricas e de gás.
- Riscos devidos a fenômenos naturais (A4): trata dos fenômenos naturais que podem ocasionar uma ignição como o aquecimento espontâneo, as reações químicas entre os materiais presentes no local e, principalmente, as descargas atmosféricas que podem atingir a edificação. Os valores são atribuídos conforme disposto na Tabela 14: Risco de ativação por descarga atmosférica.
O cálculo do coeficiente do risco de Ativação (A) é feito de acordo com a seguinte equação.
$$A=A_1\times\ A_k$$
Neste cálculo, k = 2, 3 ou 4, considerando o princípio da exclusão aplicado a estes fatores. O risco de ativação devido à natureza da ocupação (A1) é válido enquanto a ocupação perdurar. No entanto, os demais riscos A2, A3 e A4 são acidentais e, por este motivo, não se acumulam, devendo ser utilizado apenas o maior deles.
5) Cálculo do Risco Global de Incêndio
O risco global de incêndio é calculado com base na Exposição ao Risco de Incêndio (E) e o Risco de Ativação (A), segundo a seguinte equação.
$$R=E\times\ A$$
O risco global de incêndio é calculado por compartimento. Sendo assim, se uma edificação possui mais de um compartimento, deve ser feito o cálculo para cada um deles e considerado o maior risco. Da mesma forma, se uma edificação for parte de um complexo maior, deve ser feito o cálculo para cada edificação e considerado o maior risco.
Uma vez que o risco global de incêndio seja conhecido, pode-se determinar o coeficiente de segurança da edificação, de acordo com a seguinte equação, que expressa a razão entre o coeficiente de medidas e fatores de segurança e o risco global de incêndio. O valor do coeficiente de segurança da edificação deve ser maior ou igual ao coeficiente de segurança mínimo estabelecido.
$$\gamma=\frac{S}{R}\geq\gamma_{min}$$
6) Análise de sensibilidade
A análise de sensibilidade é feita comparando os resultados obtidos para o coeficiente de segurança. Considerando que tal coeficiente é a razão entre a segurança e o risco global, o método entende o valor de γ = 1 como sendo o mínimo aceitável, ou seja, quando as condições de segurança são equivalentes ao risco. No entanto, o mínimo não é, necessariamente, o ideal e não garante que a edificação esteja realmente segura, tanto para os ocupantes quanto para a preservação do patrimônio da própria edificação e seu conteúdo.
O método prevê que sejam feitas análises de hipóteses variadas de risco e condições de segurança, para que se possa traçar o cenário mais adequado para garantir a preservação do patrimônio e a segurança contra incêndio.
A análise de sensibilidade de cada um dos fatores considerados auxilia na criação de novas hipóteses, no aprimoramento ou substituição de fatores considerados e no quanto isso pode influenciar no resultado final do risco global de incêndio.
Referências
Gouveia, Antônio Maria Claret. Análise de Risco de Incêndio em Sítios Históricos // Cadernos Técnicos 5. – Brasília/BR : IPHAN/Monumenta, 2006.
Pinhal, Professor. Colégio de Arquitetos. 2020. Disponível em: http://www.colegiodearquitetos.com.br/dicionario/2009/02/o-que-e-empena/
[1] Empena é a parte superior das paredes externas, acima do forro, fechando o vão formado pelas duas águas da cobertura. Cada uma das paredes laterais onde se apoia a cumeeira os telhados de duas águas. Nas fachadas principais, em alguns casos, a empena adquire a forma de frontão. (Pinhal, 2020)
[2] No Brasil, há o Plano de Proteção Contra Incêndio (PPCI) que deve ser elaborado pelas edificações com grande número de usuários e que prevê todas as ações de fuga dos ocupantes em caso de emergência. (Nota da autora)
O uso deste conteúdo é autorizado apenas para fins acadêmicos, desde que citada a fonte:
Minervino, Bernardete. Disponível em analisederiscodeincendio.com.br/metodos/risco-global/
Disponibilizado no dia 01-abril-2020.
Atualizado em janeiro de 2025.